Marcelo Ridenti
É graduado em Ciências
Sociais (1982) e em Direito (1983) na Universidade de São Paulo, onde se
doutorou em Sociologia (1989). Defendeu tese de livre-docência na Universidade
Estadual de Campinas (1999), na qual é Professor Titular de Sociologia desde 2005.
Ingressou na UNICAMP em 1998, foi docente da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Araraquara (1990-1998), e da Universidade Estadual de
Londrina (1983-1990). Atualmente, integra a Coordenação de Ciências Humanas e
Sociais na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Foi
Secretário Executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS, 2004-2008). Tem experiência na área de Sociologia,
atuando principalmente nos seguintes temas: cultura/ arte e politica/ esquerda
brasileira/ intelectualidade brasileira/ pensamento marxista/ ditadura militar
brasileira/ anos 1960. (Fonte: Currículo Lattes)
A década de 1960 talvez tenha sido a
época de maior convergência revolucionária entre política, cultura, vida
pública e privada. A rebeldia contra a ordem social vigente, e o desejo de uma
revolução social, eram diálogos constantes nesse período. É são nas
manifestações artísticas que esses “rebeldes” encontram uma, de diversas
formas, para se expressarem. Partidos e movimentos de esquerda, intelectuais e
artistas prezavam a ação para mudar a história e construir um novo homem. Esse
novo homem seria aquele do passado, o autêntico homem do povo, o verdadeiro
brasileiro. Vindo do interior do Brasil, ele não fora influenciado pala
urbanização capitalista. Esse era o ideal de sujeito que os movimentos
esquerdistas buscavam, a fim de construir uma nova nação. Exemplos desse homem
seriam o indígena, o negro e os camponeses.
O processo de questionar a ordem
social vigente no Brasil se enquadrou no “Romantismo Revolucionário
Brasileiro”. Colocava-se à prova o problema de identidade nacional e política
do povo brasileiro. Entre os traços em comum do romantismo brasileiro e o de
outras nações estão: liberação sexual, busca por renovação, desejo de viver o
momento, vida boêmia e a fusão entre vida pública e privada.
Antes do golpe de 1964, já existiam
expressivas manifestações artísticas no Brasil. Muitas deles, já contestadoras
da realidade. Uma delas foi o Teatro de
Arena. Formado em 1956 através da junção do Teatro Paulista dos Estudantes
(TPE) e, do então pequeno, Arena. Essa fusão gerou uma renovação da dramaturgia
nacional. O novo Teatro Arena não buscava influência nas vanguardas
estrangeiras, não queriam mais apenas importar peças de países ricos. Eles
buscavam identidade própria, baseado na cultura brasileira e no “novo homem”.
Era a nacionalização e popularização do teatro.
Além de referência cultural, o Teatro
de Arena acabou se tornando um pólo de atração político. Lá, jovens engajados
politicamente se encontravam para trocar ideias e discutir a realidade
brasileira. Após o golpe de 64, o Arena viria a se tornar um centro de
resistência cultural.
Outro centro importante de resistência
e manifestação cultura do pré-64 foi o “Centro
Popular de Cultura” (CPC). Ele foi criado no início dos anos 1960, da
junção de dissidentes do Teatro de Arenas
e a UNE (União Nacional dos Estudantes). Ele tinha o objetivo de fazer
uma arte popular em diversas áreas, como cinema, teatro, literatura, artes
plásticas e música. Graças ao projeto UNE Volante – comitiva de dirigentes que
iam aos principais centros universitários de todo o país, levando propostas
políticas aos estudantes – o CPC conquistou 12 filias por todo o Brasil.
Um projeto ligado ao CPC e que
representa claramente o “Romantismo Revolucionário Brasileiro” é a coletânea de
poemas “Violão de Rua – Poemas para a
liberdade”. Durante os três volumes, transparece a emoção dos poetas pelo
sofrimento do próximo e a denúncia das condições de vida subumanas na cidade e
no campo. O drama dos retirantes nordestinos e a reforma agrária são diversas
vezes citados. Os poetas recusavam as ações de latifundiários, imperialistas e
capitalistas. Nos poemas, podemos observar a idealização do homem do campo,
simples, pobre. Esse mesmo homem considerado “ideal” para os movimentos
esquerdistas.
A sétima arte também contribuiu com a
reflexão sobre a realidade brasileira. O Cinema Novo, composto por cineastas e
intelectuais como Glauber Rocha, talvez o maior expoente, fez deslanchar filmes
independentes e de baixo orçamento com o slogan, “Uma câmera na mão e uma ideia
na cabeça.”.
No conturbado período pós-golpe de
1964, os artistas usaram de seus espetáculos para fazerem protestos contra o
governo. Estudantes e canais de representação política começaram a se inserirem
em manifestações políticas a fim de lutarem em prol da liberdade.
Assim, a esquerda fortaleceu a
cultura, tendo como o primeiro marco, o show Opinião, unindo teatro e música
popular brasileira. O Opinião fez enorme sucesso, sendo representando por Zé
Kéti, Nara Leão e João do Vale.
Show Opinião
Marcelo Ridenti também destaca o
Teatro Oficina, originado por estudantes da USP, que ganhou força depois da
encenação da peça de Oswald de Andrade O
rei da vela, que expõe uma critica ao subdesenvolvimento e dependência externa
do Brasil, que vai de encontro com filme Terra em Transe de Glauber Rocha,
sendo seguida da peça de Chico Buarque Roda Viva, recriada por José Celso Martinez
Correa. Com o Rei da vela coloca-se a questão da identidade nacional, construindo
assim, o movimento chamado tropicalismo.
Roda Viva
A Tropicália, segundo Carlos Nelson
Coutinho, foi formada pelas ideias de Glauber Rocha. O movimento era formado
por artistas, principalmente da musica popular como Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Tom Zé, Os mutantes entre outros de diversos campos da arte.
Rita lee (Os Mutantes) sobre o Tropicalismo:
A contracultura era um dos pilares que
influenciava o tropicalismo. Pregando mensagens como “paz e amor” e “faça amor,
não faça guerra”, muito usados pelos jovens americanos em manifestações contra
a Guerra do Vietnã.
O movimento hippie, com seu modo de
vida alternativo também influenciou o movimento brasileiro. Hélio Oiticica foi
o autor do termo Tropicália, um projeto ambiental que inspirou o movimento de
mesmo nome.
Segundo o militante tropicalista
Torquato Neto, o tropicalismo seria assumir tudo o que os trópicos podem dar,
sem preconceitos.
Para Caetano Veloso, a palavra-chave
do tropicalismo seria o sincretismo. O movimento juntava psicodelismo, moda, comportamentos
hippies e música pop. Também se influenciaram pelo cinema, pelos Beatles e
outros grupos de rock. As ideias antropofágicas dos modernistas “caíam como uma
luva nos pontos de vista dos tropicalistas”. A cultura nacional que se formou,
empenhava-se em constituir uma identidade nacional.
O autor insere trechos do livro de memórias
de Caetano Veloso, Verdade Tropical, no qual o tropicalista fala sobre os
anseios dos participantes do movimento, da “identificação poética” deles com a
esquerda e de seus exílio em Londres.
Em 1968 é decretado o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), conhecido como o golpe dentro do golpe, endurecendo
mais ainda o regime. Vários estudantes, intelectuais, artistas e políticos
foram torturados, casados ou forçados ao exílio. A imprensa foi duramente
censurada assim como qualquer contestação ao governo. Surge o slogan, “Brasil, ame-o
ou deixe-o”.
A agitação cultural e política no
mundo durante a década de 60 ligava-se a uma série de fatores comuns em
diversas sociedades como a crescente urbanização, aumento da classe média,
maior acesso ao ensino superior (predominância de jovens na população),
conservadorismo político e o avanço tecnológico (que possibilitaram mudanças de
comportamento da população), levando-se em consideração as especificidades
locais, como a luta pelas reformas de base antes do golpe de 1964 no Brasil e a
luta armada em decorrência deste. Essas ligações por si só não determinam a
existência das diversas ações inovadoras nos campos referidos, mas mostram-se
como uma espécie de base para estas.
Essas ações tinham como princípio
norteador aproximar a política e cultura do dia-a-dia através do fortalecimento
da imaginação, dando origem a movimentos libertários (principalmente em 1968),
que continham no seu âmago características comuns como a ascensão da ética da
revolta e da revolução (desobediência civil), novas doutrinas revolucionárias,
negação da sociedade de consumo (guerras imperialistas), crise no sistema
educacional e político (conservador) e principalmente a ânsia por liberdade
pessoal e coletiva responsável pelo surgimento de diversos movimentos pelos
direitos civis.
Assim ao analisarmos estes movimentos
é possível encontrarmos, principalmente no cenário brasileiro onde a
industrialização era recente e a classe dominante ainda era profundamente
arcaica e aristocrática, certa evolução dos ideais modernistas no início do
século passado.
Após a derrota das esquerdas
brasileiras e as mudanças políticas internacionais durante a década de 70,
ideais como o da proximidade de uma revolução social e a utilização de novas
tecnologias como forma de libertação dissiparam-se levando consigo o ensaio
geral de socialização da cultura e as demais ações ligadas a esta. Tendo o
governo ditatorial (após uma série de movimentos repressores) criado órgãos e
instituições (Ministério das Comunicações, Embratel, Embrafilme, Conselho
Federal de Cultura entre outras.) e unindo-se a iniciativa privada, florescendo
assim uma indústria cultural pautada principalmente no setor televisivo (Rede
Globo), fonográfico, editorial e de propaganda visando à incorporação dos
intelectuais oposicionistas e o ambiente cultural dominado pela esquerda, algo
que se mostra efetivo até a abertura político-econômica no final dos anos 80.
Isto ocorreu devido há uma série de concessões em relação à liberdade de
criação e de mudanças na conduta destes intelectuais, considerando que neste
momento históricos estes buscavam mais o apelo individual do que o social,
adotando a mercantilização da cultura em detrimento aos objetivos dos
movimentos contestadores da década anterior.
O ensino superior fortalece-se
enquanto o 1º e 2º grau públicos transformam-se em obsoletos. A pós-graduação é
incentivada desde que os seus beneficiários não se opusessem ao Estado,
procurando viver em função do ambiente acadêmico. Os pedidos de modernização de
certa forma são atendidos e conceitos como o da revolução sexual enraízam-se no
sistema, adquirindo novos significados.
Com a Lei da Anistia (1979) e o
Pluripartidarismo (1980) entre outras medidas que decretavam o fim do regime,
ficou evidente a necessidade de reformulação da esquerda em relação ao valor da
democracia, do individualismo, dos direitos civis (incluindo as minorias) e
principalmente do conceito de cidadania.
Movimentos contestadores e o
surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) (fundamentado no novo
sindicalismo, nas Comunidades Eclesiais da Igreja Católica e de intelectuais e
militantes dos antigos movimentos de esquerda), aliado a degradação do regime
comunista soviético norteiam esse período de transição na história brasileira.
O auto-sacrifício em prol da revolução
e do partido, perdeu força em detrimento da individualidade, criando-se novas
alternativas. O antigo modelo de intelectual ou artista rebelde torna-se
ultrapassado, os dilemas sobre privilégios de uns e a falta destes para outros,
presentes no sistema capitalista são vistos como imutáveis (dogmas se
estabelecem nas universidades, teoria e prática não se misturam, cultura e
política se afastam do cidadão).
A institucionalização dos
intelectuais e seus danos é visível, sendo que este termo ganha o significado
de profissão. A arte contestadora torna-se artigo de luxo nas galerias, anseios
por consumo surgem nas diversas classes da sociedade e o conservadorismo
modifica-se ganhando fôlego novo.
Após o “Consenso de Washington” e o
surgimento de uma Nova Ordem Mundial liderada pelo Estados Unidos, as antigas
alternativas de contestação ficam pouco usuais e pequenos focos de resistência
tentam manter vivos como o movimento Arte contra a Barbárie (1999) e diversos
fóruns que visam usar a arte e outros meios para educar a sociedade divergindo
da hegemonia cultura do pensamento neoliberal vigente. Mantendo vivo o desejo
de diminuir a influência da cultura de massa, que contribui para a manutenção
do sistema.
GRUPO (EM ORDEM ALFABÉTICA): ANDERSON CAMARGO, CHRISTIAN SILVANO E MARCO ANTONIO BARROS.
Muito bom!
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