terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cultura e política: os anos 1960-1970 e sua herança - Marcelo Ridenti



Marcelo Ridenti 

É graduado em Ciências Sociais (1982) e em Direito (1983) na Universidade de São Paulo, onde se doutorou em Sociologia (1989). Defendeu tese de livre-docência na Universidade Estadual de Campinas (1999), na qual é Professor Titular de Sociologia desde 2005. Ingressou na UNICAMP em 1998, foi docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Araraquara (1990-1998), e da Universidade Estadual de Londrina (1983-1990). Atualmente, integra a Coordenação de Ciências Humanas e Sociais na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Foi Secretário Executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS, 2004-2008). Tem experiência na área de Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: cultura/ arte e politica/ esquerda brasileira/ intelectualidade brasileira/ pensamento marxista/ ditadura militar brasileira/ anos 1960. (Fonte: Currículo Lattes)


A década de 1960 talvez tenha sido a época de maior convergência revolucionária entre política, cultura, vida pública e privada. A rebeldia contra a ordem social vigente, e o desejo de uma revolução social, eram diálogos constantes nesse período. É são nas manifestações artísticas que esses “rebeldes” encontram uma, de diversas formas, para se expressarem. Partidos e movimentos de esquerda, intelectuais e artistas prezavam a ação para mudar a história e construir um novo homem. Esse novo homem seria aquele do passado, o autêntico homem do povo, o verdadeiro brasileiro. Vindo do interior do Brasil, ele não fora influenciado pala urbanização capitalista. Esse era o ideal de sujeito que os movimentos esquerdistas buscavam, a fim de construir uma nova nação. Exemplos desse homem seriam o indígena, o negro e os camponeses.

O processo de questionar a ordem social vigente no Brasil se enquadrou no “Romantismo Revolucionário Brasileiro”. Colocava-se à prova o problema de identidade nacional e política do povo brasileiro. Entre os traços em comum do romantismo brasileiro e o de outras nações estão: liberação sexual, busca por renovação, desejo de viver o momento, vida boêmia e a fusão entre vida pública e privada.

Antes do golpe de 1964, já existiam expressivas manifestações artísticas no Brasil. Muitas deles, já contestadoras da realidade. Uma delas foi o Teatro de Arena. Formado em 1956 através da junção do Teatro Paulista dos Estudantes (TPE) e, do então pequeno, Arena. Essa fusão gerou uma renovação da dramaturgia nacional. O novo Teatro Arena não buscava influência nas vanguardas estrangeiras, não queriam mais apenas importar peças de países ricos. Eles buscavam identidade própria, baseado na cultura brasileira e no “novo homem”. Era a nacionalização e popularização do teatro.

Além de referência cultural, o Teatro de Arena acabou se tornando um pólo de atração político. Lá, jovens engajados politicamente se encontravam para trocar ideias e discutir a realidade brasileira. Após o golpe de 64, o Arena viria a se tornar um centro de resistência cultural.

Outro centro importante de resistência e manifestação cultura do pré-64 foi o “Centro Popular de Cultura” (CPC). Ele foi criado no início dos anos 1960, da junção de dissidentes do Teatro de Arenas  e a UNE (União Nacional dos Estudantes). Ele tinha o objetivo de fazer uma arte popular em diversas áreas, como cinema, teatro, literatura, artes plásticas e música. Graças ao projeto UNE Volante – comitiva de dirigentes que iam aos principais centros universitários de todo o país, levando propostas políticas aos estudantes – o CPC conquistou 12 filias por todo o Brasil.



Um projeto ligado ao CPC e que representa claramente o “Romantismo Revolucionário Brasileiro” é a coletânea de poemas “Violão de Rua – Poemas para a liberdade”. Durante os três volumes, transparece a emoção dos poetas pelo sofrimento do próximo e a denúncia das condições de vida subumanas na cidade e no campo. O drama dos retirantes nordestinos e a reforma agrária são diversas vezes citados. Os poetas recusavam as ações de latifundiários, imperialistas e capitalistas. Nos poemas, podemos observar a idealização do homem do campo, simples, pobre. Esse mesmo homem considerado “ideal” para os movimentos esquerdistas.



A sétima arte também contribuiu com a reflexão sobre a realidade brasileira. O Cinema Novo, composto por cineastas e intelectuais como Glauber Rocha, talvez o maior expoente, fez deslanchar filmes independentes e de baixo orçamento com o slogan, “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.”.

No conturbado período pós-golpe de 1964, os artistas usaram de seus espetáculos para fazerem protestos contra o governo. Estudantes e canais de representação política começaram a se inserirem em manifestações políticas a fim de lutarem em prol da liberdade.

Assim, a esquerda fortaleceu a cultura, tendo como o primeiro marco, o show Opinião, unindo teatro e música popular brasileira. O Opinião fez enorme sucesso, sendo representando por Zé Kéti, Nara Leão e João do Vale.

Show Opinião

Marcelo Ridenti também destaca o Teatro Oficina, originado por estudantes da USP, que ganhou força depois da encenação da peça de Oswald de Andrade O rei da vela, que expõe uma critica ao subdesenvolvimento e dependência externa do Brasil, que vai de encontro com filme Terra em Transe de Glauber Rocha, sendo seguida da peça de Chico Buarque Roda Viva, recriada por José Celso Martinez Correa. Com o Rei da vela coloca-se a questão da identidade nacional, construindo assim, o movimento chamado tropicalismo.

Roda Viva



A Tropicália, segundo Carlos Nelson Coutinho, foi formada pelas ideias de Glauber Rocha. O movimento era formado por artistas, principalmente da musica popular como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os mutantes entre outros de diversos campos da arte.


Rita lee (Os Mutantes) sobre o Tropicalismo: 



A contracultura era um dos pilares que influenciava o tropicalismo. Pregando mensagens como “paz e amor” e “faça amor, não faça guerra”, muito usados pelos jovens americanos em manifestações contra a Guerra do Vietnã.

O movimento hippie, com seu modo de vida alternativo também influenciou o movimento brasileiro. Hélio Oiticica foi o autor do termo Tropicália, um projeto ambiental que inspirou o movimento de mesmo nome.

Segundo o militante tropicalista Torquato Neto, o tropicalismo seria assumir tudo o que os trópicos podem dar, sem preconceitos.

Para Caetano Veloso, a palavra-chave do tropicalismo seria o sincretismo. O movimento juntava psicodelismo, moda, comportamentos hippies e música pop. Também se influenciaram pelo cinema, pelos Beatles e outros grupos de rock. As ideias antropofágicas dos modernistas “caíam como uma luva nos pontos de vista dos tropicalistas”. A cultura nacional que se formou, empenhava-se em constituir uma identidade nacional.

O autor insere trechos do livro de memórias de Caetano Veloso, Verdade Tropical, no qual o tropicalista fala sobre os anseios dos participantes do movimento, da “identificação poética” deles com a esquerda e de seus exílio em Londres.



Em 1968 é decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), conhecido como o golpe dentro do golpe, endurecendo mais ainda o regime. Vários estudantes, intelectuais, artistas e políticos foram torturados, casados ou forçados ao exílio. A imprensa foi duramente censurada assim como qualquer contestação ao governo. Surge o slogan, “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

A agitação cultural e política no mundo durante a década de 60 ligava-se a uma série de fatores comuns em diversas sociedades como a crescente urbanização, aumento da classe média, maior acesso ao ensino superior (predominância de jovens na população), conservadorismo político e o avanço tecnológico (que possibilitaram mudanças de comportamento da população), levando-se em consideração as especificidades locais, como a luta pelas reformas de base antes do golpe de 1964 no Brasil e a luta armada em decorrência deste. Essas ligações por si só não determinam a existência das diversas ações inovadoras nos campos referidos, mas mostram-se como uma espécie de base para estas.

Essas ações tinham como princípio norteador aproximar a política e cultura do dia-a-dia através do fortalecimento da imaginação, dando origem a movimentos libertários (principalmente em 1968), que continham no seu âmago características comuns como a ascensão da ética da revolta e da revolução (desobediência civil), novas doutrinas revolucionárias, negação da sociedade de consumo (guerras imperialistas), crise no sistema educacional e político (conservador) e principalmente a ânsia por liberdade pessoal e coletiva responsável pelo surgimento de diversos movimentos pelos direitos civis.

Assim ao analisarmos estes movimentos é possível encontrarmos, principalmente no cenário brasileiro onde a industrialização era recente e a classe dominante ainda era profundamente arcaica e aristocrática, certa evolução dos ideais modernistas no início do século passado.

Após a derrota das esquerdas brasileiras e as mudanças políticas internacionais durante a década de 70, ideais como o da proximidade de uma revolução social e a utilização de novas tecnologias como forma de libertação dissiparam-se levando consigo o ensaio geral de socialização da cultura e as demais ações ligadas a esta. Tendo o governo ditatorial (após uma série de movimentos repressores) criado órgãos e instituições (Ministério das Comunicações, Embratel, Embrafilme, Conselho Federal de Cultura entre outras.) e unindo-se a iniciativa privada, florescendo assim uma indústria cultural pautada principalmente no setor televisivo (Rede Globo), fonográfico, editorial e de propaganda visando à incorporação dos intelectuais oposicionistas e o ambiente cultural dominado pela esquerda, algo que se mostra efetivo até a abertura político-econômica no final dos anos 80. Isto ocorreu devido há uma série de concessões em relação à liberdade de criação e de mudanças na conduta destes intelectuais, considerando que neste momento históricos estes buscavam mais o apelo individual do que o social, adotando a mercantilização da cultura em detrimento aos objetivos dos movimentos contestadores da década anterior.

O ensino superior fortalece-se enquanto o 1º e 2º grau públicos transformam-se em obsoletos. A pós-graduação é incentivada desde que os seus beneficiários não se opusessem ao Estado, procurando viver em função do ambiente acadêmico. Os pedidos de modernização de certa forma são atendidos e conceitos como o da revolução sexual enraízam-se no sistema, adquirindo novos significados.

Com a Lei da Anistia (1979) e o Pluripartidarismo (1980) entre outras medidas que decretavam o fim do regime, ficou evidente a necessidade de reformulação da esquerda em relação ao valor da democracia, do individualismo, dos direitos civis (incluindo as minorias) e principalmente do conceito de cidadania.



Movimentos contestadores e o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) (fundamentado no novo sindicalismo, nas Comunidades Eclesiais da Igreja Católica e de intelectuais e militantes dos antigos movimentos de esquerda), aliado a degradação do regime comunista soviético norteiam esse período de transição na história brasileira.



O auto-sacrifício em prol da revolução e do partido, perdeu força em detrimento da individualidade, criando-se novas alternativas. O antigo modelo de intelectual ou artista rebelde torna-se ultrapassado, os dilemas sobre privilégios de uns e a falta destes para outros, presentes no sistema capitalista são vistos como imutáveis (dogmas se estabelecem nas universidades, teoria e prática não se misturam, cultura e política se afastam do cidadão).

A institucionalização dos intelectuais e seus danos é visível, sendo que este termo ganha o significado de profissão. A arte contestadora torna-se artigo de luxo nas galerias, anseios por consumo surgem nas diversas classes da sociedade e o conservadorismo modifica-se ganhando fôlego novo.

Após o “Consenso de Washington” e o surgimento de uma Nova Ordem Mundial liderada pelo Estados Unidos, as antigas alternativas de contestação ficam pouco usuais e pequenos focos de resistência tentam manter vivos como o movimento Arte contra a Barbárie (1999) e diversos fóruns que visam usar a arte e outros meios para educar a sociedade divergindo da hegemonia cultura do pensamento neoliberal vigente. Mantendo vivo o desejo de diminuir a influência da cultura de massa, que contribui para a manutenção do sistema.





GRUPO (EM ORDEM ALFABÉTICA): ANDERSON CAMARGO, CHRISTIAN SILVANO E MARCO ANTONIO BARROS.

2 comentários:

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